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A CF-1988 e a reserva do possível

  • Foto do escritor: A Voz Regional
    A Voz Regional
  • 10 de out. de 2016
  • 3 min de leitura

No mês de outubro deste ano de 2016, comemoram-se os 28 anos da promulgação da Constituição de 1988 (a “Constituição Cidadã”). Isso não é pouca coisa, muito embora somente aqueles que conheceram o Brasil antes de 1988 é que poderão testemunhar o quanto se mudou por aqui. Uma das mudanças mais importantes foi a introdução da chamada “força normativa da Constituição”. Como se sabe, antes de 1988, as antigas Constituições eram vistas mais como uma lei administrativa, que não se prestava para ser invocada no dia-a-dia do cidadão. Após a virada constitucional de 1988, tornou-se possível para qualquer pessoa extrair diretamente do texto constitucional as normas que poderão servir-lhe de amparo jurídico. É a força normativa que torna viva a Constituição, cujos princípios e direitos irradiam-se por todas as demais leis vigentes no País. Nessa linha, a Constituição de 1988 inovou ao introduzir uma série de direitos sociais, elevados à condição de garantias fundamentais do cidadão. Porém, é necessário que existam recursos para a plena realização desses direitos sociais (direito à moradia, à educação, à saúde, ao meio ambiente saudável, ao transporte, à segurança, etc.). Não basta simplesmente que a lei assegure um direito; para que ele possa ser de fato usufruído, é necessário que haja investimento. Para isso, antes terá de haver recursos. É com essa finalidade que os tributos são arrecadados. Porém, por mais que se arrecade (e no Brasil se arrecada muito!), nunca haverá recurso para tudo. Aqui, entra em cena a figura da chamada “escolha trágica”: entre duas ou mais questões pendentes, deve o governante fazer uma escolha, caso não haja recursos para atender a todas as demandas. Por exemplo, o que fazer entre construir um novo hospital, duplicar uma rodovia, ou instalar uma universidade? Não havendo recursos para tudo, terá de ser feita uma escolha, em que um ou vários grupos de cidadãos serão prejudicados. A teoria das “escolhas trágicas” foi objeto de estudo por parte dos juristas norte-americanos Guido Calabresi e Philip Bobbit, que diziam que a proteção das coisas valiosas se faz à custa de outras coisas valiosas. Existe um mito de que certos direitos como o direito à propriedade, à liberdade de locomoção, à expressão, não teriam custo algum, pois para que o cidadão usufruísse deles bastaria que o Estado não fizesse nenhuma intervenção. Sabe-se hoje que as coisas não são bem assim, pois a realização de qualquer direito sempre implica gastos por parte do poder público. Para garantir os direitos acima, o poder público terá de fazer investimentos em policiamento, estradas, sinalização de ruas, manutenção de arquivos e registros, contratação de funcionários, etc. É óbvio que os chamados direitos sociais demandam ainda muito mais recursos para a sua concretização. A discussão que se trava hoje em dia gira em torno da chamada “Reserva do Possível”. Essa teoria teve origem numa célebre decisão proferida pelo Tribunal Constitucional da Alemanha, em 1972, em que foi negado o acesso ao curso de medicina aos estudantes que excediam o número total de vagas. O Tribunal decidiu que, embora todos os cidadãos tivessem o direito fundamental de acesso ao ensino superior, esse direito tinha um limite fático, pois nem sempre não haverá vagas para todos. A questão sujeitava-se, portanto, à “reserva do possível”, ou seja, aquilo que poderia o indivíduo, racionalmente falando, exigir da sociedade. Voltamos, assim, à questão dos custos dos direitos: não adianta garantir o direito a isso ou àquilo, se não houver recursos. Pela doutrina do “reserva do possível”, o Estado apenas poderá realizar os direitos caso haja a disponibilidade de caixa para suportar a despesa. No Brasil, a discussão tem se voltado mais para a questão do “mínimo existencial”, no sentido de que seria papel do Estado assegurar as condições materiais mínimas que permitam uma vida digna às pessoas mais necessitadas. O resumo da ópera é o seguinte: dinheiro não nasce em árvores, de forma que, sem os recursos necessários, não haverá como usufruir de todos os direitos e garantias que nos foram generosamente assegurados pela “Constituição Cidadã”.

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