Ana Paula Garcia Spolon: A saga dos Garcia
- A Voz Regional
- 24 de jul. de 2017
- 4 min de leitura
Hoje, dia 22 de julho de 2017, em condições climáticas boas, demoraria uma hora e trinta e sete minutos, de carro, para percorrermos o caminho que provavelmente nosso bisavô, Paulino, percorreu com nossa bisavó, Maria Catalina e três pequenos filhos – José, Luíza e Paulino – desde o povoado de Albox, no norte da província de Almeria, na Espanha, até a cidade de mesmo nome, no sul, às margens do Mediterrâneo, em dezembro de 1912.

Passaríamos pelo chamado Semideserto de Tabernas, uma área de 280 km2 não só insalubre, seca e quente, mas com topografia difícil, entrecortada por morros de mármore pontudos e muito duros.
Em tempos mais recentes, Clint Eastwood, Henri Fonda, Harrison Ford e Sean Connery também passariam por lá, pois a área foi (e ainda é, eventualmente) muito usada em locações cinematográficas de clássicos do faroeste. As condições em que eles cruzaram a área foram, certamente, muito mais favoráveis que as enfrentadas pelos nossos bisavós.

De lá, ainda teríamos que seguir por outros quase 350 km até Gibraltar, para então pegar um vapor, que viria para o Brasil, até Santos, demorando coisa de 10 a 15 dias. Se houvesse um voo direto, seriam aproximadamente 12 horas apertados em um espaço 60 centímetros.

Eles, certamente, viajaram muito menos confortavelmente. Nem sabemos como. Mas não é difícil imaginar que tenha sido difícil. Chegando aqui, desembarcaram em Santos, seguiram de trem para São Paulo, foram acolhidos na Hospedaria dos Imigrantes e, de lá, encaminhados para fazendas de café do noroeste paulista, onde a história deles, em terras brasileiras, continuou. A nossa, começou.

Entre dezembro de 1912 e janeiro de 1913, um casal com três filhos pequenos – José, Luiza e Paulino – deslocou-se entre dois continentes, atravessando um oceano cheio de incertezas, medo e uma emoção que nunca conseguiremos sentir. Depois nasceram Esmeralda, Dirce, Leonarda (a que chamávamos Nita), Mariquita e Tonico. Entre as fotos mais antigas que temos, está esta, que mostra já José (meu avô) casado com Nair e com a pequena Maria Aparecida (Nena) e Luiza casada com Guido e com os pequenos Paulino e Nena.
Foi com minha avó que aprendi sobre minha família espanhola. Eu meio que morava com ela na minha infância e adolescência. O casarão dela ficava do lado da casa dos meus pais e os quintais se ligavam por um portãozinho, pelo qual passei incontáveis vezes. Dormia com minha avó e, de noite, ela contava histórias. Falava dos sogros. Dizia que meu bisavô Paulino era muito amoroso e minha bisavó Catalina muito rígida. “Braba”, nas palavras dela.
Minha avó casou-se com meu avô com somente 17 anos e no início da vida de casada morou na fazenda com os sogros. Mais tarde meu avô montou um posto de gasolina em Monte Aprazível e eles foram então morar sozinhos. Cada um dos oito filhos de Paulino e Catalina seguiu seu caminho e fez sua própria família. Seguiu adiante. Os Garcia viraram muitos.

Hoje, entre descendentes e seus cônjuges, somos muitos. Se consegui contar, 251. Outros dois estão chegando. Talvez eu tenha me atrapalhado um pouco nas contas e haja alguns mais. Ou menos. Lutamos, sofremos, sorrimos, realizamos sonhos. Crescemos, estudamos, trabalhamos, casamos, descasamos, tivemos filhos, eles se casaram, vieram os netos, alguns já se foram e a nossa família continua. Não interessa – e não deve mesmo interessar – se erramos ou se acertamos. A vida é feita de tentativas e às vezes elas dão certo, outras não.
Importa ver que seguimos adiante e que a esperança – a mesma que nossos antepassados carregaram na alma e no coração – é que nos permite continuar seguindo em frente, como eles mesmos fizeram, em busca de uma vida melhor e de um futuro feliz para os nossos filhos.
Em 2013, um século depois de os meus bisavós chegarem ao Brasil, eu fui a Albox, a aldeia de onde saíram, para agradecer a eles por terem vindo, por terem dado o passo que fez com que todo o resto existisse. Fui de Madri a Granada de avião, de Granada a Almería de ônibus, de Almería a Albox de carro, atravessando Tabernas. Havia anos antes recuperado minha cidadania espanhola e fiz questão de viajar na Espanha com a identidade local e o nome trocado – lá, sou Ana Paula Spolon Garcia. Fui à igreja onde meu avô foi batizado, quando nasceu. Andei pelas ruelas do povoado, imaginando se Catalina e Paulino teriam vivido numa das casinhas simples do chamado casco viejo, a área mais antiga da cidade.
Caminhei, almocei, rezei, agradeci. Tão distante estávamos no tempo… 100 anos. Nossa família cresceu tanto. E, neste final de semana, estaremos todos juntos, em Monte Aprazível. Não todos, mas mesmo os que estiverem longe, estarão conosco, em pensamento. Nos reuniremos para uma festa e para uma missa. Eu espero que esse encontro seja o primeiro de muitos e o marco, pouco mais de um século depois, da nossa gratidão às pessoas que arriscaram suas próprias vidas pelo desejo de dar a nós todos um amanhecer mais promissor do que o que eles acreditam que teriam tido, se se tivessem deixado dominar pelo medo. Que sigamos, juntos.
Família Garcia no Brasil desde janeiro de 1913
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