João Francisco Neto: A abolição incompleta
- A Voz Regional
- 16 de mai. de 2017
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“Uma casa dividida contra si própria não pode permanecer de pé”. Com esta frase profética, baseada numa passagem bíblica, Abraham Lincoln (1809-1865), então candidato ao Senado dos Estados Unidos, no dia 16 de junho de 1858, proferiu um discurso que entraria para a história. Não era um simples discurso de candidato, mas sim uma premonição do que aconteceria com a nação americana, caso insistisse em permitir que sua população continuasse dividida entre homens livres de um lado e escravos, de outro.
A poderosa fala de Lincoln acendeu o estopim da Guerra Civil (1861-1865), que levaria à morte quase um milhão de pessoas. Em 1863, já como presidente da República, Lincoln assinaria o Ato de Emancipação dos escravos, que, na prática, só viria em 1865, com a aprovação da 13ª Emenda Constitucional.
No Brasil, a abolição da escravatura só viria ocorrer no dia 13 de maio de 1888. Ao contrário dos Estados Unidos, aqui as coisas se deram num contexto mais ameno, com descontentamento por parte de fazendeiros e políticos conservadores, mas nada que se assemelhasse à tormentosa problemática americana, onde a questão racial continua pendente, com profundos focos de tensão, longe de serem solucionados.
No Brasil, desde a época da abolição, adotou-se a prática de considerar que nunca houve um problema racial entre nós. Por muito tempo, espalhou-se a falsa propaganda oficial de que éramos “a maior democracia racial do mundo”. Após a “libertação”, a maioria dos antigos escravos foi rapidamente enxotada das antigas fazendas pelos proprietários, aborrecidos com o “prejuízo” sofrido pela Lei Áurea.
Sem instrução, sem profissão, sem recursos e sem nenhum apoio da sociedade, havia muito pouca coisa que aquelas pessoas pudessem fazer nas cidades, ainda que agora fossem “livres”. Logo, passaram a ocupar os morros e as áreas periféricas, onde a maioria se encontra até hoje. Por parte do governo e da sociedade, não houve uma única palavra oficial ou ação de apoio para promover a integração daquele imenso contingente de pessoas relegadas à própria sorte.
Sem perspectivas e sem rumo, o futuro não poderia ser outro: um círculo vicioso de favelas, miséria, violência, etc. Na época, o debate girou apenas sobre a possibilidade de indenização dos antigos proprietários de escravos.
Por essas e por outras a “casa brasileira” permanece dividida, à espera de um resgate, a ser orientado por outro memorável discurso de Lincoln: “Sem malícia contra ninguém; com caridade para com todos; com firmeza no direito, que Deus nos permita ver o certo, nos permita lutar para concluirmos o trabalho que começamos; para fechar as feridas da nação”.
A diferença é que, por aqui, este trabalho ainda está por começar. Não sem razão, temos pouca coisa a comemorar no dia 13 de maio.
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