João Francisco Neto: A pátria das chuteiras
- A Voz Regional
- 19 de jun. de 2018
- 2 min de leitura
Atualizado: 15 de set. de 2020
Nelson Rodrigues (1912-1980), consagrado escritor, cronista e dramaturgo, costumava dizer que a seleção brasileira de futebol era a nossa verdadeira “Pátria de Chuteiras”. Dizia isso em razão da paixão que o brasileiro sempre teve pelo futebol e, mais ainda, pela seleção nacional, principalmente nos períodos de Copa do Mundo, como o que estamos vivenciando. É uma época em que todos se tornam torcedores fervorosos.
Para assistir aos jogos da Copa o país inteiro para: aulas são suspensas, repartições públicas encerram o expediente, fábricas interrompem a produção; enfim, é um raro momento de grande união nacional, em que a seleção acaba representando a própria Pátria, como dizia o grande Nelson Rodrigues.
Nessa verdadeira explosão de sentimentos, os destinos da nação são decididos no gramado por onze pares de chuteiras. É sempre assim. Mas há aí um problema incontornável: se o Brasil não for o campeão, então fomos mal. Como por aqui não se admite outro resultado que não o de campeão, já se vê que a cobrança é muito grande. Não há outro assunto que consiga mexer tanto com os sentimentos do cidadão comum quanto a seleção brasileira.
Desde os tempos de Nelson Rodrigues que no Brasil todos se transformam em verdadeiros técnicos da seleção, quando se aproximam os jogos da Copa do Mundo. Pacatos senhores, jovens, crianças, mocinhas ingênuas, senhoras bem comportadas, de uma hora para outra todos se veem dando palpites, criticando o esquema tático e alterando a escalação do time.
A comoção nacional é tão forte que, por uns tempos, todos se esquecem dos problemas do país, e até dos próprios problemas, numa espécie de anestesiamento coletivo. Políticos e governantes se aproveitam dessa época para deslanchar medidas impopulares, como o aumento de impostos, a aprovação de leis de caráter duvidoso, etc. É como se vivêssemos um sonho, porém, quando acordamos, muitas vezes o estrago já estará feito.
Não é por outra razão que, durante o período dos governos militares, a seleção brasileira era tratada como assunto de Estado, a ponto de um famoso técnico da seleção – o saudoso João Saldanha – ter sido dispensado simplesmente por ter se recusado a seguir as ordens do governo, inclusive em relação à escalação do time. Hoje em dia, não chegamos a tanto, porém o assunto ainda merece tratamento especial.
São ocasiões em que o povo deveria observar como a união em torno de um objetivo comum pode provocar profundas transformações no país. A mesma motivação dedicada à seleção brasileira deveria ser empregada para exigir as mudanças que já passaram da hora de acontecer, como a moralização da política, a elevação do nível de ensino das escolas, a melhoria da saúde pública, a erradicação das favelas, etc. Como se vê, são muitos os problemas a serem resolvidos, e o futebol é o menor deles, embora seja o único assunto que consegue mobilizar a atenção de tudo e de todos, ao mesmo tempo.
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