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João Francisco Neto: Imunidade e impunidade

  • Foto do escritor: A Voz Regional
    A Voz Regional
  • 22 de out. de 2017
  • 2 min de leitura

A recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que conferiu ao Congresso o poder de reavaliar medidas cautelares impostas a parlamentares, ao invés de serenar os ânimos, acabou por jogar mais lenha de fogueira das vaidades políticas e judiciais.

A questão de fundo era saber se uma medida cautelar (o recolhimento noturno, por exemplo), imposta pelo Judiciário, deveria ser submetida a um juízo político, proferido pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal. O plenário do STF, em julgamento apertado, decidiu que sim, desde que a medida possa interferir no exercício do mandato parlamentar. Ocorre que cinco ministros do STF votaram pelo não, ou seja, que a medida cautelar não poderia ser revista por decisão política.

O clima, que já não era dos melhores no STF, azedou de vez com essa decisão, que representa uma profunda fratura ideológica na mais alta corte de Justiça do país. A imunidade parlamentar é uma tradição secular, adotada em muitos países, porém não são poucos os que entendem que essa imunidade não é absoluta. Na verdade, ela existe para proteger o exercício regular do mandato, que, em hipótese nenhuma, pode sofrer cerceamento e muito menos qualquer constrangimento.

Entretanto, sempre que o parlamentar, afastando-se do exercício regular do seu mandato, passa a praticar atos criminosos, a imunidade não deveria subsistir, caso contrário, teríamos uma classe de pessoas fora do alcance da lei, em qualquer situação. Como se sabe, a Constituição Federal (art. 53) prevê que os parlamentares só poderão ser presos em flagrante de crime inafiançável, sendo esse fato remetido em seguida para apreciação da respectiva casa política.

A esta altura, sempre voltamos ao fato de nossa República ter sido mal instalada, se é que algum dia tenha mesmo saído do papel. Como o fundamento da República não prevê qualquer tipo de privilégio, o parlamento não poderia impedir a Justiça de impor a seus membros as medidas cautelares previstas em leis, ainda que ordinárias.

Existe uma ampla argumentação no sentido de que a imunidade parlamentar não pode ser interpretada extensivamente, mas também não pode ser reduzida. Ao mesmo tempo, não seria razoável, e tampouco aceitável, supor que a imunidade fosse conferida ao parlamentar para que ele praticasse crimes. De fato, ela só existe para evitar perseguições e dar ampla liberdade de ação política aos legisladores. É justamente o que consta do caput do art. 53 da CF: “Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”.

Segundo o voto (vencido) do ministro Barroso, a ideia de que o Judiciário não pode exercer seu poder cautelar para impedir o cometimento de delito em curso é a negação do Estado de Direito. Significaria dizer que o crime é permitido para algumas pessoas. É uma interpretação que comporta um viés de ativismo judicial, mais afinado com os valores da Constituição e em harmonia com os anseios da sociedade, pelo combate à corrupção e à impunidade.

Por fim, convém aqui observar que todo esse imbróglio jurídico-político deve-se fundamentalmente à existência do malfadado foro privilegiado, não aplicado na maioria dos países realmente civilizados. No Brasil, a Constituição afirma que todos são iguais perante a lei (art. 5º). Se, de fato, tal preceito republicano fosse mesmo real, toda essa discussão não teria nenhuma razão de ser.

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