João Francisco Neto: Presídios privatizados
- A Voz Regional
- 19 de jan. de 2017
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O recente massacre ocorrido nas dependências de um presídio em Manaus (AM), em que 56 detentos foram mortos decapitados, esquartejados ou incinerados, trouxe indignação e horror à população, pelas cenas de selvageria e barbárie. Como se trata de um presídio administrado por uma empresa terceirizada, esse assunto delicado acabou vindo à tona novamente. A terceirização – ou a privatização – dos presídios é um tema sobre o qual ainda não há consenso, pelo mundo afora.
O crescente aumento da população carcerária, aliado às frequentes rebeliões, tem ajudado a engrossar as fileiras daqueles que imaginam que a privatização do sistema prisional seria a solução adequada para esses problemas. Não é de hoje que essa discussão vem sendo travada. No início do século 19, o filósofo utilitarista Jeremy Bentham (1748-1832) já propunha um engenhoso plano de arrendamento dos presídios para particulares, que assim poderiam explorar a mão-de-obra dos detentos.
Na época, o projeto foi rejeitado pelo governo, mas a ideia ficou e, aqui e acolá, acabou sendo implementada. Vários países do mundo adotaram alguma forma de privatização do sistema prisional – Inglaterra e França, entre outros -, mas onde essa ideia realmente se desenvolveu foi nos Estados Unidos, a partir dos anos 1980, embalada pela onda conservadora do governo Reagan. Os Estados Unidos detém a maior população carcerária do mundo – cerca de 2 milhões e 300 mil presos -, dos quais cerca de 7% cumprem pena em presídios sob administração privada, controlados por duas grandes empresas, que obtêm um fabuloso faturamento, e até operam na Bolsa de Valores.
Ao que consta, lá os presídios privados são bem administrados, mas, mesmo assim, não faltam críticas. Há informações de que as administradoras dos presídios fariam lobby junto a deputados e senadores, investindo milhões de dólares em doações para campanhas eleitorais. Em retribuição, propõem a aprovação de leis que prevejam penas mais longas, para aumentar a “taxa de ocupação” dos presídios.
Aqui já se nota um grave impedimento ético: para a sociedade o panorama ideal seria um ambiente de criminalidade decrescente; porém, as empresas que lucram com os presídios almejam o aumento da população carcerária; afinal elas vivem desse negócio.
Com a onda neoliberal da década de 1980, a ideia de privatização dos presídios instalou-se no Brasil e, desde então, tem sido vista por uma boa parcela da população como a solução para esse problema. Em geral, a administração é terceirizada, porém o Estado fica encarregado pela direção e a supervisão da execução penal, num modelo de gestão compartilhada.
Quando o general De Gaulle disse que o Brasil não era um país sério, muita gente se sentiu ofendida por aqui – na verdade, De Gaulle sempre afirmou que nunca disse isso. Ora, se o Brasil fosse realmente um país sério, nossas autoridades estariam preocupadas em resolver os graves problemas internos, como a saúde e a segurança pública, além da questão prisional, hoje nas mãos de facções criminosas, como se viu em Manaus. Entretanto, em vez disso, todos investiram maciçamente nos monumentais gastos com a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos. Foram eventos de fato muito bonitos, mas já passaram e a nossa dura realidade aí está.
O fato é que a privatização de presídios é um assunto polêmico e controverso, que envolve questões de natureza ética, política e judicial, para dizer o mínimo. Assim, o tema segue em discussão. E, ao que se vê, tão cedo não encontrará um entendimento pacificado. Enquanto isso, mais massacres dessa natureza virão, como o que acaba de ocorrer no Estado de Roraima.
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