Um Padre que salva vidas
- A Voz Regional
- 11 de jul. de 2016
- 3 min de leitura
Quando o telefone tocou às 3 horas da madrugada naquele seminário de Roma, ao jovem Mussie Zerai se lhe ocorreu que talvez se tratasse de uma brincadeira de mau gosto. Mas, ao atender, soube que não se tratava disso: ninguém podia fingir aqueles gritos de desespero nem o barulho das ondas do Canal da Sicília. Quem estava do outro lado da linha era um compatriota eritreu que lhe implorava ajuda e lhe suplicava que salvasse a sua vida e a do resto das pessoas a bordo de um barco a ponto de afundar em águas do Mediterrâneo. O aspirante a sacerdote não sabia o que fazer nem a quem recorrer, tampouco como tranquilizar o seu compatriota para que lhe desse pistas sobre onde o barco podia estar. Quando conseguiu, explica por telefone ao El Confidencial da Suíça, acordou um superior e ambos procuraram nas páginas amarelas o número da Guarda Costeira da Marinha italiana. Graças ao sinal de alerta que os dois religiosos deram, a Guarda Costeira italiana localizou o barco e conduziu os seus ocupantes, são e salvos, à ilha italiana de Lampedusa. Foram apenas os primeiros. Desde aquele telefonema de 2003, Mussie Zerai, padre eritreu – agora com 41 anos –, salvou milhares de refugiados de guerras, fomes e ditaduras. No princípio, o fazia sozinho, atendendo a certos telefonemas em seu celular pessoal a qualquer hora nos sete dias da semana. Com o tempo, chegou a dominar a difícil tarefa de tranquilizar pessoas quase sempre aterrorizadas e explicar-lhes como e onde encontrar as coordenadas do GPS nos telefones satelitais que alguns tinham, a pista chave que levou muitas vezes – nem sempre – a um resgate bem sucedido por parte da Guarda Costeira italiana. “Em 2003, um jornalista italiano que tinha visitado as prisões para imigrantes do regime de Gadafi [na Líbia], me pediu ajuda para falar com um refugiado eritreu e depois lhe fizesse a tradução, motivo pelo qual falei por telefone com este compatriota que estava preso na Líbia”, recorda Mussie Zerai. Assim chegou o número do telefone desse padre às mãos desse aspirante a refugiado eritreu que, em uma manifestação de solidariedade, não o guardou apenas para si mesmo, mas o escreveu em uma parede daquela prisão, acompanhado das seguintes palavras: “Caso necessitar de ajuda, ligue para este telefone”. Desde aquele primeiro telefonema de socorro em 2003, esse telefone não mais parou de tocar. Seu número salvador apareceu desde então não apenas nas paredes de prisões para imigrantes do norte da África, mas também nos barcos que chegam a Lampedusa e inclusive nos contêineres em que os traficantes às vezes escondem os refugiados para atravessar o deserto do Sudão. A voz de que o Pe. Zerai socorria os refugiados em apuros correu tanto e tão depressa que logo o religioso eritreu viu-se sobrecarregado. Então, “inspirado em seu trabalho”, recorda, foi criado uma central de chamadas telefônicas, chamada Watch the Med (Vigia o Mediterrâneo). Nessa linha de atenção urgente, dezenas de voluntários atendem em diferentes idiomas candidatos a refugiados em perigo que telefonam de lugares tão distantes como o Iêmen ou a Indonésia. O padre Zerai criou também a agência Habeshia, uma organização sem fins lucrativos cuja finalidade é ajudar a integração econômica, social e cultural das pessoas que necessitam de proteção humanitária. O trabalho do religioso eritreu o fez merecedor, no ano passado, de uma candidatura ao Prêmio Nobel da Paz. Segundo dados da própria Guarda Costeira italiana, seus telefonemas indicando a posição de embarcações em perigo salvaram pelo menos 5 mil pessoas desde 2003.
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