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Dez, ao completar setenta anos, é exemplo para mais de mil

  • Foto do escritor: A Voz Regional
    A Voz Regional
  • 9 de dez. de 2020
  • 2 min de leitura

Neste dia 8, Antônio Pinheiro Ribeiro, o Dez, substantivo comum que o representava na turma de 68 do Tiro de Guerra, tornado nome próprio, completa 70 anos.

Dez não é monte-aprazivelense nativo, mas se a personagem mais notória da cidade, mais conhecido que todos os prefeitos e mais popular que qualquer vereador, de qualquer época. Aliás, foi impedido de se candidatar por obtusos preconceito e racismo dos dirigentes do partido ao qual estava filiado na década de noventa do século passado. Ainda era fresco seu currículo de “cadeieiro” e alcoólatra.

Foi em um antigo sofá de couro na recepção da prefeitura que, à tarde, se curava da carraspana alcoólica da manhã. Ninguém, por medo, receio ou simpatia incomodava seu sono vesperal. E foi ali que encontrou a oportunidade de inclusão oferecida pelo então prefeito José Viana. Virou funcionário público. Seguiu o padrão funcional dos antigos burros de prefeitura: de não fugir do pastinho, mas sem se deixar pegar. Padrão que ainda vai perdurar pelos séculos.

Locado no cemitério, fez mais do que gostava e menos do que o obrigado. Plantou flores entre túmulos e até roça de arroz. Foi aplaudido pelo contribuinte pelo que fez sem ser reprovado pelo eventual ter deixado de fazer.

Antes da estadia em cadeia, romarias e talagadas por botecos e passeios pelas alamedas e vielas entre túmulos, Dez foi homem viajado, conheceu o mundo amazônico.

Os anos 70 do século passado foram marcados pelo início do desmatamento da Amazônia. Não era, como hoje, crime, apenas pelo detalhe de não ser tipificado em lei. O desmatamento era incentivado pela ditadura militar e seu projeto de integração nacional que resultou em riqueza para alguns milhares e miséria e violência para índios, ribeirinhos, quilombolas, extrativistas e trabalhadores emigrados que somam milhões.

Um grupo de fazendeiros de Monte atendeu à chamada militar. Dez, com outros braçais, foi para o serviço pesado e sujo, em viagem que durou 30 dias. Conheceu a floresta virgem e os maiores rios do mundo, Xingu, Madeira, Tapajós.

Se faz necessário falar da cadeia, ao menos da primeira tranca. Foi uma bobagem, um furto e, pior, um furto justo. Mas, é cadeia o lugar de preto pobre, em país, onde a Justiça herda a cultura escravista dos ferros e açoites e se justifica pela proteção do homem de bem - não confundir com homem bom, homem de bem é aquele que tem bens, patrimônios.

Dez foi condenado por furto de uma calça jeans de um varal de cidadão que lhe devia jornada de trabalho. Procurou resolver a pendência por um desvio, já que Justiça não é caminho seguro e de urgência para preto pobre. A Justiça não tem olhos para colarinho branco e gravata, mas enxerga longe, em qualquer desvio, boné e camiseta.

Dez já viveu 70, escapou de morrer na cadeia, dos vícios da bebida e do álcool. Vai morrer de velho, como exemplo de que pobres e pretos sabem aproveitar as oportunidades tanto quanto os brancos ricos.


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