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Os cidadãos invisíveis de Monte e Tanabi

  • Foto do escritor: A Voz Regional
    A Voz Regional
  • 31 de out. de 2016
  • 5 min de leitura

São quase 9 mil portadores de necessidades especiais nas duas cidades que não são vistos por falta de acessibilidade, escondidos pelos próprios familiares ou pelo preconceito


Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE, mostram que 6,2% da população brasileira, cerca de 45 milhões de pessoas, possui algum tipo de deficiência. Os números da Pesquisa Nacional de Saúde, PNS, levaram em consideração quatro tipos de deficiências; auditiva, visual, física e intelectual, em todos os graus indicam 4.780 pessoas em Tanabi e 3.700 em Monte Aprazível, aferidos pelo Instituto em 2010, o que leva os técnicos do órgão a acreditar que hoje, os números sejam ainda maiores.

A quantidade de pessoas com deficiência causa espanto para grande parte da população que desconhece os casos. Para Claudia Rocha,  presidente e idealizadora da Associação Tanabiense de Atenção a Pessoas Especiais, ATAPE, a falta de conhecimento é fruto de uma série de fatores; falta de recursos oferecidos pelo poder público, preconceito por parte da população, entre outros.

“Na maioria dos casos, a família vai contra a intenção da associação e do que é correto universalmente que á inclusão, pois a pessoa com necessidades especiais é capaz como todo mundo” Cláudia Rocha ainda comenta. “A mentalidade predominante é a do preconceito, da reclusão: Não enxerga, não anda, não escuta, não fala, então fica em casa, se esconde.”

Segundo Cláudia, outro obstáculo é a falta de ação dos poderes públicos que não oferecem as condições de acessibilidade para a mobilidade do deficiente, obrigando ele permanecer isolado. “As rampas são feitas só no centro, mas as pessoas vivem nos bairros, elas precisam ir a padaria, açougue, mercado, posto de saúde, o cotidiano delas é nos bairros.”

As rampas de acesso, destinada a passagens de cadeirantes e demais deficientes para as calçadas devem seguir o padrão da Agência Brasileira de Normas Técnica. A largura deve ser de no mínimo 1,20m com declive de no máximo de 1,12m, além de marcações de piso tátil e estrutura de metal. Segundo a idealizadora da ATAPE, as rampas de acesso feitas na maioria das vezes não correspondem as exigências.

“Não se faz uma rampa jogando cimento em uma calçada. A lei obriga a confecção de rampas metálicas, são quatro em cada cruzamento nas faixas de pedestre e, de forma geral, nas cidades, não há nem faixa de pedestre.” comenta Claudia Rocha.

A dificuldade rotineira

Atravessar a rua, transitar pela calçada, entrar numa loja ou visitar a casa de um amigo, são pequenas tarefas, comuns, para maioria da população. Para o grupo de pessoas que possui algum tipo de deficiência, a falta de estrutura nos centros urbanos, preconceito, que em determinadas ocasiões vem da própria família, são alguns dos obstáculos que as pessoas com necessidades especiais enfrentam no seu cotidiano.

“É muito difícil sair com a minha filha porque perto da minha casa as calçadas são todas desniveladas e se for pra rua é pior, pois esta cheia de buracos” desabafa Elaine Pereira, mãe de uma cadeirante. A doméstica, moradora de Monte Aprazível, também comenta a dificuldade que a filha passa quando necessita ir até o centro da cidade: “A maioria das lojas tem escada na frente, ou seja praticamente impossível entrar com a cadeira de rodas, dentro não tem provadores adaptados, decidi que iria nas lojas pegarias as peças e levaria para experimentar em casa, esta é a solução.”

Outra mãe de deficiente que sofre com situação semelhante é Eva Regina do Amaral, mãe de Paulo Cesar, também cadeirante em Monte Aprazível. “É praticamente impossível sair de casa com ele, pois são vários fatores que não ajudam nem o cadeirante e nem motiva a família em alguns casos”.

A doméstica afirma que uma das maiores dificuldades é lidar com o preconceito da população. “Todos olham como se o deficiente físico, intelectual, visual, auditivo, fosse anormal, é algo muito chato que já passamos várias vezes.”

A mãe de Paulo Cesar revela que o preconceito não a desmotiva mais. “Hoje já aprendi a lidar com este preconceito, mas sei que algumas mães ainda sofrem com este tipo de sentimento das pessoas, é algo que precisa acabar.”

“Além do preconceito, que já é uma falta de respeito, tem aqueles que ainda usam as vagas destinadas para os deficientes e ainda se consideram os corretos”, comenta Elaine Pereira, que diz ter ouvido muito as frases: “É só um minutinho”, “daqui a pouco estou saindo”, “só vou ali pegar um negócio rapidinho”.

Trabalho da ATAPE

Constituída legalmente em 2006, a Associação Tanabiense de Atenção a Pessoas Especiais, atende aproximadamente 470 pessoas com vários tipos de deficiência como; visual, auditiva, física, intelectual em todos os graus.

Entre os trabalhos realizados pela entidade está o de promover ações e cobrar dos poderes responsáveis melhorias no tratamento de portadores de necessidades especiais. Uma das conquistas da ATAPE, em parceria com o poder executivo de Tanabi, foi a formação de 150 interpretes de LIBRAS, Língua Brasileira de Sinais.

Claudia Rocha, fundadora e idealizadora da entidade ressalta as conquistas e a parceria feita com a prefeitura. “A prefeita Bel Repizo tem nos dado abertura e discutido com associação.”

Umas conquistas da associação foi o curso de intérprete da Língua Brasileira de Sinais. Somente dois dos formandos optaram por trabalhar na rede publica e se revezam em quatro escolas.  A presidente da entidade acredita que seriam necessários 14 interpretes para atender a demanda das escolas da rede pública de Tanabi.

Outra melhoria conquistada pelo trabalho da ATAPE foi a instalação de elevadores nos ônibus da circular de Tanabi, porém não estão sendo utilizados pois os pontos de embarque, 55 no total, ainda precisam ser adaptados pela prefeitura.

A associação ingressou na justiça para a construção de 272 rampas de acesso em Tanabi. A decisão judicial saiu em 2015, porém a falta de recursos impossibilitou as obras. Para cobrir toda a cidade seriam necessárias em torno de 3 mil

O prefeito eleito Norair Cassiano (PSB) se comprometeu a atender a associação nas rampas, pontos e nas escolas, além de abrir um diálogo maior. Cláudia acredita que  se os pedidos forem atendidos pelo novo prefeito, Tanabi se tornará a cidade mais acessível da região, possibilitando que 4.780 pessoas ocupem os espaços públicos da cidade.

DIFICULDADE DE CAMINHAR

A ATAPE caminha com muita dificuldade financeira. Os recursos são quase nada. De fixo, desde o ano passado, recebe R$ 1.500,00 da prefeitura, que mal dá para o aluguel da sede, água, energia, telefone e ajuda de custo para dois colaboradores de Claudia Rocha, a presidente. O resto é batalhado mês a mês com as contribuições da população, as vendas de roupas doadas do brechó que funciona sede e da venda de panelas de uma parceria recente feita com uma fábrica de alumínio.

Segundo Cláudia, a burocracia para inscrever a entidade como filantrópica nos governos estadual e federal estará concluída no início do próximo ano, o que a habilitará para verbas estadual e federal, se vierem. Até lá, a entidade caminha como pode.

Mesmo sem dinheiro, faz muito. Além de brigar para ver cumprida a legislação da mobilidade urbana, da acessibilidade e do Estatuto do Deficiente, a entidade promove assistencialismo material. “A maioria não tem apenas necessidades especiais, tem carências sociais, não sobra dinheiro para fraldas e mesmo para alimentação e quem está necessitado recorre a nós.” Entre cadeiras e cadeiras de banho, a entidade tem 172 equipamentos para emprestar e um estoque de menos de dez.

Tais dificuldades não abatem Claudia. “O trabalho me faz muito bem, vivo melhor emocionalmente e deixei de tomar mais de dez remédios. Tem sido uma terapia”, resume.

Cláudia não tem deficiência e nem tem membro na família com necessidade especial, ela se engajou na luta por puro altruísmo

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