Pela primeira vez em 40 anos, Wanderley Sant’Anna está ausente de eleição em Monte
- A Voz Regional
- 8 de set. de 2020
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Vítima da Covid 19, ex-prefeito foi a maior lideranças política do município por quatro décadas
Renata Sant’Anna ficou sem a mais bem imantada bússola política, seu pai, o ex-prefeito Wanderley Sant’Anna, dono da mais longeva carreira partidária, capaz de identificar os rumos do eleitorado com antecedência. Definir-se como candidata à eleição de novembro fica muito difícil para a possível candidata democrata, sem a orientação do pai, falecido no dia 24, vítima da Covid 19.
A capacidade de Wanderley em “farejar” a política de Monte Aprazível vinha de longe. Não fosse ela teria ingressado no ambiente eleitoral seis anos antes de sua primeira campanha. Em 1976, o jovem agrônomo da Casa da Lavoura anteviu a vontade do eleitor e não atendeu aos apelos de correligionários para ser candidato. O adversário não era para o seu bico; embora “forasteiro” como ele, do mesmo período, além de diretor da Dom Bosco, atuava na “Casa de Deus”. Acabou nas costas do incauto bancário José Maria Galvão de França a surra eleitoral, de criar bicho, desferida pelo candidato do MDB, o padre José Viana Arrais, no grupo do então prefeito e cacique político da época, o advogado Wilson Leal.
Em uma época em que a reeleição não tinha sido inventada, Wanderley se guardou para a eleição seguinte. Foi o pulo do gato, já que Viana, no meio do mandato, se bandeou para o partido da ditadura, a Arena, onde Wanderley já era o líder de um grupo formado por, citando só os mais notáveis: Carlos Canheo, Vanderlei Pereira, Pierin Maset, Homero Fernandes e as maiores e mais poderosas famílias, a eleição seria fácil. Ainda mais com apoio de Viana.
É foi. Wanderley foi o mais votado, derrotou nas urnas quatro adversários, mas não sentou na cadeira. E bota cadeira bonita a da prefeitura de Monte Aprazível; de madeira de lei, toda entalhada, espaldar alto, encosto e assento em couro bruto esculpido. O eleito, Zequinha Agrelli, também não se sentou nela. Ele entrava no gabinete, já sentado, conduzido pelo fiel escudeiro Axis Aparecido Antunes, o Fiíco.
No início da carreira, Wanderley não chegava ao exagero de frequentar boteco, mas tinha postura bem populista e foi se afastando dela com o tempo, cultuando a liturgia mais refinada do poder, o distanciamento, o isolamento reflexivo para tomada de decisões. A tarefa do contato tão bem soube desempenhar a companheira Tais, dita a “Mãe”.
Ele não foi prefeito em 1982 pela tendência ao personalismo, vício ou virtude, sabe-se lá, dos grandes líderes. E pelo feitiço ter se virado contra o feiticeiro. Feiticeiro, no caso, os gorilas militares que inventaram o casuísmo da sublegenda partidária para favorecer a Arena diante do avanço do MDB. Pelo engenho, os partidos podiam lançar até três candidatos a prefeito e ganhava a eleição a legenda que somasse mais voto, sendo eleito o mais votado dela.
O MDB, tido como partido de comunistas, tinha dificuldade em lançar mais de um candidato em pequenas cidades, enquanto a Arena tinha em cada uma vários grupos divididos pela disputa pelo poder.
Em Monte era diferente. A “deserção” de Vianna estava entalada na garganta de vários emedebistas. Uniram-se, divididos, o professor Zequinha Agrelli, o empresário Egas Júlio e professor José Francisco Beraldo. O ex-prefeito Geraldo Berardo retornou de São Paulo para disputar o cargo por uma sublegenda da Arena, mas foi impedido pelo personalismo de Wanderley. Geraldo disputou pelo PTB, obtendo 1.200 votos, o dobro de que faltou a Wanderley para derrotar as três chapas do MDB.
Wanderley esperou pelo mandato de seis anos de Zequinha para sentar na cadeira de espaldar alto, em 1989, ao derrotar o comerciante Manoel de Abreu, tendo Viana como vice.
Foi notório o não engajamento de Wanderley em candidatura que não tinha algum Sant’Anna envolvido. Na eleição de 92, ele colocou um pé na canoa de seu vice, Viana, e outro na do adversário dele, Egas Júlio, sem ter botado a mão no remo de nenhuma delas. Viana se elegeu para prefeitura e se distanciou do antigo aliado.
Em 96, Wanderley vem com tudo para a campanha que não era dele, mas da companheira Tais. Ao término do mandato da mulher, em 2000, foi instituída a reeleição. Mais uma vez, Wanderley farejou os humores do eleitorado e pressentiu a derrota, situação desconfortável para quem é líder. Taís desistiu no meio da campanha que foi assumida pelo seu vice, Ernesto Peresi. Carlos Canheo foi eleito tendo como vice, Mauro Pascoalão.
Em 2004, Wanderley retorna à prefeitura, derrotando duas chapas, a de Mauro e a do empresário Jorge Mendes. Foi reeleito em 2008, contra todos os partidos de oposição unidos em torno de Mauro.
Em 2012, o grupo político de Wanderley lança a candidatura do médico Nelson Montoro. O velho líder intuiu o conteúdo das urnas noventa dias antes delas serem abertas. Ele poderia ter oferecido a filha Renata como vice na chapa. Fez menos ainda, não moveu palha na campanha para eleger o médico. A lógica de Wanderley na política é cristalina: não vale a pena endurecer a luta se a vitória é do adversário.
Assim, Mauro Pascoalão ganhou a eleição de 2012, venceu um médico politicamente inexpressivo, mas não derrotou Wanderley.
Wanderley tinha plena consciência de sua grandeza na história política de Monte Aprazível e jamais colocaria este prestígio histórico sob risco na eleição de 2016, quando Mauro tentaria a reeleição e o médico sem noção encasquetou que seria candidato outra vez.
Horas antes do prazo final, Montoro trocou Renata Sant’Anna por Márcio Miguel, o atual prefeito, que fazia parte do grupo liderado por João Roberto Camargo, fundamental na eleição de Mauro e com ele rompido meses depois da posse.
Com seus desafetos políticos divididos, Wanderley decidiu testar a filha Renata como candidata, na busca por uma terceira via. Deu errado. Montoro dividiu o eleitor de Mauro, mas dividiu também o eleitor da família Sant”Anna. Não era mesmo para dar certo: Montoro foi cassado dezoito meses de eleito e a prefeitura ficou na mão de Márcio Miguel.
Wanderley estava convicto de que Renata tiraria lições da derrota. E certo, “a menina” cresceu muito politicamente nos quatro anos.
É raro o exercício de liderança política por tanto tempo, como exerceu Wanderley. No município, foi Jorge Carneiro de Campo, com seu grupo político, quem conseguiu chegar mais longe, de 1932 a 1950. Mas aí tem detalhe de triste lembrança: foi sempre nomeado ou indicava amigo para nomeação. Na única eleição do período, com a participação do povo, em 51, Jorge Carneiro perdeu para Lavínio Luchesi e mudou-se da cidade.
Wanderley exerceu o poder por tanto tempo que, administrativamente, a população atribui como realização dele obras de outros gestores. Tocar nas obras de Wanderley é inescapável dizer das consequências judiciais delas. Melhor não para o assunto não soar como crueldade em momento de luto e pesar da família.
O coronavírus tirou a vida de Wanderley Sant’Anna, mas é indecifrável saber se o tirou da vida política futura de Monte Aprazível. E o futuro da política é logo ali, na semana que vem. Fisicamente, é certo, que ele não estará presente. Renata Sant’Anna terá nove dias para decidir se a campanha eleitoral de 15 de novembro terá a memória dele a assombrar os palanques adversários ou se irá preservá-la dos ataques de palanques.
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