É o leão chupando cana
- A Voz Regional
- 28 de nov. de 2016
- 4 min de leitura
Receita Federal quer receber ao menos R$ 27 milhões em multas e diferença de impostos de fornecedores de cana Monte Aprazível
O clima é de tensão para cerca de 200 fornecedores de cana de Monte Aprazível e para as entidades que os representam: a APLACANA e o Sindicato Rural Patronal. A Receita Federal abriu processo administrativo para receber ao menos R$ 27 milhões de diferença e multa do Imposto Nacional de Seguridade Social – INSS – de 2 condomínios (frentes de trabalho), sendo R$ 22 milhões dos condôminos da Fábio Miguel & Outros e R$ 5 milhões dos condôminos da Maurício Pinatti. Outros 2 condomínios são investigados pelas mesmas supostas irregularidades, mas não há contra eles ainda ação administrativa de recebimento.
Para o presidente e vice do Sindicato Patronal, Diogo Arruda e Agnelo Zagato, respectivamente, o clima está muito ruim para o setor já que os produtores de cana não têm como arcar com pagamento tão elevado “de uma irresponsabilidade ou até quem sabe, má fé dos administradores dos condomínios”. O Sindicato, segundo Diogo e Agnelo, colocou seu departamento jurídico para o apoio logístico aos seus 17 associados que são afiliados no condomínio de Pinatti para a defesa junto à Receita Federal que está sendo feita por um escritório especializado de São Paulo.
A armadilha
O sistema de condomínio agrícola, previsto na legislação fiscal, consiste em permitir que um grupo de agricultores se reúnam para usufruir de uma mesma estrutura produtiva e de um regime tributário diferenciado e mais barato. “Os condomínios foram autorizados para viabilizar a produção de cana em propriedades menores. A atividade canavieira exige uma estrutura muito grande e cara em que só os grandes produtores teriam condições e os condomínios facilitaram a entrada de pequenos no negócios”, explicou Glauco de Almeida, advogado do Sindicato. Glauco é advogado pessoal do administrador do condomínio que leva seu nome, Maurício Pinatti, mas não atua em sua defesa na Receita Federal, o que é feito por escritório especializado em tributos.
A legislação determina que a estrutura do condomínio, especificamente a utilizada no plantio, é de uso exclusivo dos condôminos para o corte, carregamento e transporte da cana. O uso dessa estrutura fora das propriedades condominiais caracteriza, perante a Receita, ato de prestação de serviço a terceiros, desfigurando o estatuto de constituição e a perda dos benefícios fiscais. Foi essa a “escorregadela” dos administradores identificada pelos auditores fiscais que entenderam ter havido prestação de serviços irregular. Esse entendimento incorreu no desenquadramento do regime fiscal de alíquota de 2,5% no recolhimento do INSS para 28%. A Receita, segundo Glauco, recalculou o pagamento da diferença e aplicou multa de 150%, determinando que o pagamento do montante de R$ 22 milhões da FM e R$ 5 milhões de Pinatti fossem rateados igualmente entre os condomínios, independentemente da quantidade de cana fornecida por cada um deles.
A defesa
Glauco não vê boas chances de os administradores se safarem da penalidade, mas aposta na retirada dos condôminos como réus do processo. O advogado ressalva se tratar de ação administrativa, no âmbito da Receita, e não judicial. A defesa segundo Glauco, vai usar como argumento as próprias razões dos auditores. Ele argumenta que o condomínio existe em função dos condôminos e se descaracteriza com a prestação de serviço a terceiros, sendo destes e do administração a responsabilidade do recolhimento da tarifa cheia do imposto. “Os condôminos tiveram o imposto devido recolhido e descontado do pagamento da cana, estão de posse desses recibos, são eles que deram sustentação legal aos condomínios e no trabalho realizado em suas propriedade não há irregularidade, não podem ser responsabilizados pela descaracterização do condomínio.”
Glauco não acredita que tenha havido má fé dos administradores, mesmo reconhecendo que a prestação de serviço a terceiros não tenha sido pontual, um ou outro caso, mas foram circunstanciais. “Não foram ações deliberadas, houve caso incêndio em lavoura, casos de amizade em que houve o corte para que a adesão ao condomínio fosse feita posteriormente e isso acabou não ocorrendo. Eu não acredito em ação deliberada ou consciente dos administradores, porque ninguém se arriscaria a uma situação dessa, de uma multa de 150%, para deixar de pagar 25%. O que ocorreu, foi imprudência, não deve ter havido má fé”, acredita Glauco.
Abalo financeiro
Mesmo sem ação judicial, que só ocorrerá na execução do débito, caso a defesa não seja aceita, o processo abalou bastante a situação financeira dos condôminos, segundo Diogo e Agnello. “A situação ficou difícil e vai piorar muito se houver a execução do valor. Houve arresto de bens dos produtores para garantir o débito e esses bens estão indisponíveis.” Na verdade, segundo Glauco, os bens não estão indisponíveis, podem ser vendidos e colocados como garantia para financiamento. “A questão é encontrar alguém disposto a comprar um imóvel nesta condição ou um banco que o aceite como garantia.” O clima é de incerteza, já que os fornecedores de cana temem que outros condomínios, além dos dois com processo aberto e os dois sob investigação, outros venham à tona ou ainda que o fato gere uma devassa fiscal mais ampla. “Tem as ações trabalhistas em que os condôminos também são solidários. Tivemos fornecedores que tiveram dinheiro em banco confiscado para pagar débitos. Os condomínios tem pago esses débitos, mas tem produtor que teve dinheiro bloqueado e ainda não recebeu”, lembram os diretores sindicais.
Para Agnelo e Diogo, esse caso é mais um exemplo a ser observado pelo produtor rural. “O produtor tem que aprender rápido que o nosso trabalho tem uma importância muito grande, o agronegócio, especialmente, nos períodos de crise, sustenta a economia do país e temos de nos precaver, deixar de agir na base da confiança e ficar atento no preto e no branco.”
O dano financeiro para os produtores, segundo ele, não param por aí. Os condomínios estão suspensos e os serviços de corte, carregamento e transporte ficaram mais caros sem eles e o recolhimento do imposto voltou para o patamar de 28%, diminuindo a rentabilidade do fornecedor de cana.
Procurados, os administradores da Fábio Miquel & Outros não deram retorno. Conforme A Voz Regional apurou, a estratégia de defesa será no sentido de propor o pagamento da multa e da diferença do imposto incidentes apenas no serviço de terceiros, o que tornaria o suposto débito pagável.
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